Por: Felipe Holanda
Das usinas de Sirinhaém à glória no estádio mais importante do mundo. Há exatos 45 anos, Ramon entrava para a história do Santa Cruz com dois gols na vitória emblemática sobre o Flamengo por 3 x 1, no Maracanã, destronando um tal de Zico. Aquela foi a maior conquista da Cobra Coral em 106 anos de fundação, quando terminou o Brasileiro na quarta colocação e por muito pouco não chegou à final.
Esta análise especial disseca o jogo taticamente e resgata a trajetória do goleador do Arruda, que acumula 148 tentos marcados, sendo o terceiro maior artilheiro do clube, atrás apenas de Luciano Veloso, com 174, e Tará, que foi às redes em 207 ocasiões.
Além de Ramon, o Tricolor era uma verdadeira seleção que desfilou pelos gramados do Brasil. Todos os jogadores tinham muita qualidade e o time era tão afinado e virtuoso tal a sanfona do mestre Luiz Gonzaga. Treinado por Paulo Emílio, se postava no 4-2-4, que podia variar para um 4-3-3.

SILENCIANDO O MARACA
Os mais de 74 mil presentes chegaram ao Estádio Jornalista Mário filho crentes em mais uma vitória do rubro-negro. Afinal, os cariocas eram amplamente favoritos, com uma constelação de craques que colocava medo em qualquer um. Mal sabia a torcida do Fla, entretanto, que Ramon da Silva Ramos “tava com a mulesta” naquela quinta-feira, 4 de dezembro de 1975.
No 4-3-3, Mazinho recompunha para fazer a criação de jogadas, sendo o cérebro do time, e contando com a amplitude de Fumanchu, pela direita, e Pio, na esquerda, com Ramon na referência.

A primeira surpresa para os anfitriões veio após cobrança de falta de Pio da esquerda. Ramon surgiu entre os defensores e precisou finalizar duas vezes para abrir a contagem a favor do Mais Querido: 1 x 0.
No minuto seguinte, contudo, o árbitro marcou falta de Jair na grande área e Zico mandou para as redes, deixando tudo igual. O placar, que recolocava o time da Gávea no jogo, tranquilizou o torcedor flamenguista e podia ter feito os corais baixarem a guarda.
Para agravar o quadro, Pio e Mazinho precisaram ser substituídos por lesão. Mazinho, inclusive, sofreu falta desleal do zagueiro Luís Carlos, num lance que os pernambucanos descrevem como “covardia”. Enquanto isso, do outro lado, o Urubu começava a criar asas.
Eis que, mesmo com um homem a menos na jogada, a Cobra Coral mostrou o seu veneno outra vez. Ramon recebeu bela enfiada de Givanildo, o “Cabra da Peste”, e tabelou com Fumanchu antes de marcar o segundo, dando um balde de água fria nos donos da casa.

Ainda houve tempo do golpe finalizador, com sabor de vingança para os tricolores. Volnei, que substituiu Mazinho, selou o 3 x 1 num arremate rasteiro, à direita do goleiro, silenciando o Maraca de tal forma que fez os mais velhos lembrarem da derrota do Brasil para o Uruguai na Copa de 1950.
FICHA DO JOGO
Local: Maracanã, no Rio de Janeiro
Árbitro: Oscar Scolfaro
Assistentes: Afonso Vitor de Oliveira (PR) e Nuno do Valmacieira (SP)
Público: 74.019 torcedores
Renda: Cr$ 1.057.209,50.
Flamengo: Cantarelli; Júnior, Jaime, Luís Carlos e Rodrigues Neto; Limimha (Edson) e Tadeu; Paulinho (Doval), Luisinho, Zico e Luís Paulo. Técnico: Carlos Froner.
Santa Cruz: Jair; Carlos Alberto, Lula, Levir Culpi e Pedrinho; Givanildo e Carlos Alberto Rodrigues; Luís Fumanchu, Mazinho (Volnei), Ramon e Pio (Alfredo Júnior). Técnico: Paulo Emílio.
Gols: Ramon, aos 26 e 65, e Volnei aos 87 para o Santa; Zico, aos 28, para o Flamengo.
RECEBIDOS COM FESTA
Com o triunfo, o Mais Querido – inevitavelmente – ganhou prestígio nacional e encheu de orgulho o torcedor das três cores. Na volta ao Recife, foi recebido com carreata no Aeroporto dos Guararapes e a festa foi noite adentro. Os heróis, sendo Ramon o principal protagonista, realmente mereciam.

O resultado deu a vantagem de jogar a semifinal no Arruda, diante do Cruzeiro. Por um viés do destino, a Raposa venceu, mas perderia o título para o Internacional dias mais tarde. Aquele esquadrão coral, contudo, já havia escrito o capítulo mais importante da história do clube no cenário nacional.
COMO TUDO COMEÇOU
Os primeiros dribles dados por Ramon foram no município de Sirinhaém, a 76 quilômetros da capital Recife. Com uma bola de meia e pés descalços, ele se desvencilhava das plantações de cana no caminho para a escola e já alimentava o sonho – ainda distante – de ser jogador de futebol profissional.
O cenário não era dos mais favoráveis. Pelo contrário. Ele também precisaria driblar as adversidades e a dura realidade da usina. Era, sem dúvidas, o zagueiro mais carrasco de toda a sua vida.
Mas Ramon sempre manteve a fé e um dia foi recompensado pela sua dedicação. Veio o convite para um teste no Santa Cruz, em 1967, notícia que tirou várias noites enluaradas de sono do jovem artilheiro. Era agosto daquele ano, quando ele pegou, junto a seu cunhado, um ônibus rumo ao Recife. Foi devidamente aprovado e iniciou sua carreira gloriosa no Arruda.
A REALIZAÇÃO
O ano, 1970. Ramon se firmava no profissional enquanto a Cobra Coral vivia dias de glória, rumando ao pentacampeonato do Estadual, época da construção ao Arruda e crescimento do Santa como clube. O povão se envaideceu, à medida que o time ia fazendo história dentro de campo e o atacante entrando no panteão dos maiores goleadores do futebol pernambucano.

Em 1973, se consolidou de vez, marcando dois gols no 2×0 sobre o Sport na partida do penta, em plena Ilha do Retiro. Depois disso, o artilheiro passou mais dois anos no Arruda, antes de ser negociado com o Internacional.
PASSAGEM NO LEÃO
Ramon também defendeu o Sport em Pernambuco, em 1976, mas não teve o mesmo êxito de outrora. Marcou um dos seus cinco gols contra o próprio Santa, quando impôs ao ex-time a derrota pelo placar mínimo, na Ilha.
Dois anos mais tarde, se transferiu para o Vasco, onde formou grande dupla de ataque com Roberto Dinamite, antes de voltar para a Cobra Coral. Também passou por times como Ceará, Goiás e Ferroviário-CE, pendurando as chuteiras em 1985.
Segundo levantamento da Revista Placar, o artilheiro foi às redes 531 vezes ao longo de 15 anos de carreira como profissional, um número para poucos no Brasil.
Arte: João Rodrigues
Referências:
Reis do futebol em Pernambuco: goleadores / Carlos Celso Cordeiro, Lucídio José de Oliveira e Roberto Vieira. Olinda: Livro rápido, 2014.
História dos campeonatos / José Maria Ferreira. CEPE, 2007.
1975: Santa Cruz silencia o Maracanã, vence o Flamengo e alcança as semifinais do Brasileiro: 1975: Santa Cruz silencia o Maracanã, vence o Flamengo e alcança as semifinais do Brasileiro – Superesportes
Parece que você estava lá, apesar de só ter nascido 20 anos depois.
CurtirCurtir